A venda direta sem respiro, como enfrentar os canais digitais
(*) Federico Tagliani
O segmento de Venda Direta continua a pleno vapor e cada dia mais fascinante. Pela sua dinâmica, pelo seu impacto social e pelas suas polêmicas também. De uns anos para cá, porém, a irrupção da internet e dos canais digitais contribuem para a reviravolta no segmento e dar uma cara nova nesta fabulosa indústria global, que movimenta USS 180 bilhões por ano.
Venda direta é um sistema de comercialização de bens de consumo e serviços diferenciado, baseado no contato pessoal, entre vendedores e compradores, fora de um estabelecimento comercial fixo, segundo a definição da ABEVD (Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta).
As 10 principais empresas do setor trabalham com mais de 25 milhões de vendedoras associadas ( mais de 90% dos empreendedores são mulheres), e movimentaram em 2013 mais USS 75 bilhões de vendas líquidas.
Uma brasileira, a Natura, aparece nesse ranking na posição de número 6. E não é casual. O Brasil está entre os principais mercados. As vendas no ano passado ultrapassaram R$ 40 bilhões e um exército de mais de 4,5 milhões de empreendedores conformaram a força de vendas.
Ainda com esses fatos e com a presença de empresas muito longevas (Amway , a líder global está há mais de 50 anos no mercado; a Avon, a número 2 do mundo há mais de 120 anos!), o segmento vive ameaçado pela semelhança que algumas das suas modalidades de comercialização tem com atividades que são ilícitas na maioria dos países.
A modalidade chamada de Marketing Multi-Nivel, na qual os vendedores associados ganham a partir das suas vendas e das vendas que geram outros vendedores recrutados por eles, as vezes são confundidas com o esquema de Pirâmide (também chamado de esquema de Ponzi). Neste último esquema fraudulento, o ganho se dá quase exclusivamente pelo recrutamento de novas pessoas e em forma previsível se esgota, com as perdas absorvidas pelos últimos ingressantes.
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Na China, hoje o segundo maior mercado de venda direta, o próprio conceito foi banido por lei entre 1998 e 2006, e obrigou as empresas do setor a mudar seus modelos de negócio ou utilizar outros canais de comercialização (lojas, distribuidores, etc) ou abandonar o mercado.
Em maio passado, o CEO da operação indiana da Amway foi para a cadeia sob alegações governamentais de práticas não lícitas.
A Indústria tem reagido com a criação de associações que nucleiam as empresas do setor e que definem rígidos códigos de conduta e ética. Essas Associações viram parceiras dos entes reguladores para a correta diferenciação entre as vendas diretas, como setor dinâmico e que alavanca o empreendedorismo da população, com os esquemas fraudulentos de pirâmide.
Como tem funcionado até agora o negócio?[/sociallocker]
Em forma simples pode ser descrito assim. As empresas têm uma força de vendedores independentes (ou associadas, ou consultoras entre vários outros termos com que são conhecidas) às que enviam seus catálogos de produtos, mostruários, kits de venda ou uma combinação deles. As vendedoras procuram seus clientes entre seus conhecidos no trabalho (a venda direta é uma atividade muito compatível com outros trabalhos), na vizinhança (muitas empresárias são donas de casa) ou nos mais diversos âmbitos. Existem modalidades de encontros grupais de venda, tipicamente em casas de família, em reuniões convocadas (o chamado Party Play). É muito usual que as vendedoras funcionem para as empresas não só como canal de distribuição para os seus produtos mas que virem elas mesmas consumidoras finais deles.
Outro componente caraterístico é as vendedoras serem ´multíbandeira´, isto é, representarem os produtos de diversas companhias, muitas vezes concorrentes entre sim.
A internet chegou para provocar neste segmento as mesmas mudanças drásticas que em outros setores da economia.
As empresas e os empreendedores/vendedoras que não consigam se adaptar podem perder posições rapidamente. Ainda que em muitos mercados emergentes a Venda Direta continua crescendo a dois dígitos por ano, o comércio eletrônico cresce em termos globais a um ritmo mais de 3 vezes maior.
Um novo consumidor, mais poderoso e informado, domina a internet, influi nas mídias sociais e interage com os fabricantes e suas marcas, definindo o novo padrão de atendimento e migrando sua opção quando fica insatisfeito. Para as vendedoras a possibilidade é a mesma. Operar nos canais digitais aumentando sua influência, otimizando o fluxo de informações e melhorando a experiência de compra dos seus clientes é a nova oportunidade.
As empresas de venda direta precisam enfrentar este desafio. Monitorar e gerenciar sua presença na Internet não é suficiente. Qual será a resposta ante o e-commerce com seu crescimento acelerado? Podem seus produtos ficar fora do canal digital?
A resposta é simples. Não. Não podem. Porém fazê-lo de forma errada pode afetar profundamente o futuro do seu negócio.
Uma tentação é colocar seus produtos, em forma alternativa às vendedoras, para vender direto pela internet aos consumidores finais. O risco é afetar profundamente a fidelidade da sua própria força de vendas que pode ver a movimentação como uma declaração de guerra e dessa forma partir para trabalhar a favor dos seus concorrentes.
Uma alternativa que diminui um pouco o risco anterior é diferenciar as linhas de produtos em cada canal, mas novamente a percepção de divergência no modelo de Venda Direta pode fomentar o êxodo das vendedoras para empresas consideradas mais predecíveis.
Alguns modelos, ainda sem teste de sucesso provado, estão emergindo.
Tem companhias que optaram por prover à sua força de vendas de sistemas de colaboração que possibilitam tanto a atuação delas nas redes sociais como facilitam a troca de informações entre empresa e vendedoras. Podem ser complementadas com algumas facilidades para transacionar na web, e ainda não sendo especificamente comércio eletrônico (no sentido do que uma Amazon ou uma Saraiva faz) multiplicam a efetividade da venda, do recrutamento de novas vendedoras e aumentam a experiência de compra dos consumidores finais.
Em outros casos, as empresas de venda direta partiram para estabelecer suas plataformas de comércio eletrônico, integrando-a com sua força de vendas. Neste modelo, cada vendedora recebe a possibilidade de montar sua página web acima da solução corporativa do fabricante. Catálogo de produtos, preços, promoções, e a possibilidade de fechar a venda pela internet são parte das funções oferecidas.
Nesta última estratégia, existe a possibilidade de deixar aos consumidores finais acesso direto ao site da empresa para comprar seus produtos pela web, sem uma vendedora intermediando. Ainda assim é possível também criar lógicas de associação da venda a uma vendedora, baseado em determinados atributos do consumidor ou como prêmio ao desempenho das melhores vendedoras. Desta forma é mantida a lealdade da força de vendas e os canais, tanto digitais como físicos, operam em uma convergência mais harmônica. O desafio das vendedoras, possivelmente a maioria, que representam mais de uma companhia, para se adaptar a sistemas proprietários de cada uma delas fica sem resolução nesta abordagem.
Qual será o modelo a se impor? Ainda é jogo no primeiro tempo mas o relógio avança para valer.
As empresas que se movimentem em uma direção errada podem afetar seu negócio mas aquelas que demorem suas ações podem ver o seu negócio sumir.
(*) Federico Tagliani é vice-presidente do Grupo ASSA para ás áreas de Bens de Consumo e Manufatura