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Um Pedido Perfeito

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O pedido perfeito

Como a Avon,com 800 000 revendedoras e 13 milhões de entregas para fazer a cada ano, está perseguindo a qualidade total no serviço

Ana Luiza Herzog, da EXAME

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Indicadores grandiosos cercam a operação da Avon, a maior empresa de cosméticos do país. Sua força de vendas — a mais numerosa do mercado brasileiro no porta-a-porta e também entre os 143 países onde a multinacional americana atua — conta com 800 000 revendedoras. A cada 19 dias, esse exército feminino, levando na bolsa 5 milhões de novos catálogos, aborda 21 milhões de consumidoras. Para satisfazer o rentável pecado da vaidade, a Avon oferece 2 500 produtos que vão dos tradicionais cosméticos a roupas, sapatos, utensílios domésticos e outros artigos fabricados por terceiros. No ano passado, a empresa vendeu 500 milhões de itens, uma quantidade só superada pela matriz.

Parte dessa magnitude, entretanto, representa um obstáculo para a Avon brasileira na conquista de outra marca — atingir o maior índice possível de pedidos perfeitos. Trata-se de uma questão básica de logística. O pedido perfeito é aquele entregue no lugar certo, no dia certo, à revendedora certa. A mercadoria também precisa chegar nas quantidades corretas e em condições impecáveis. O creme anti-rugas não veio? O desodorante vazou? A cor do batom foi trocada? Mesmo que internamente os produtos e as embalagens estejam intactos, se a caixa aparecer danificada ou tiver sido entregue à revendedora por um funcionário com ar carrancudo, a qualidade do pedido não será considerada ideal. “A meta é erradicar toda imperfeição que possa alterar a percepção que a revendedora tem da nossa marca”, diz a paulistana Eneida Bini, de 41 anos, presidente da Avon. Com 22 anos de carreira na empresa, na qual começou como secretária, Eneida era vice-presidente de serviços ao cliente até agosto do ano passado, quando foi promovida ao cargo de principal executiva no Brasil.

A Avon recebe uma média diária de 50 000 pedidos de revendedoras. Desse total, 76,6% foram atendidos com o padrão de excelência em 2002. O índice vem crescendo ano a ano (veja quadro) e é considerado bom. “Para empresas que atendem o varejo, trabalhar com percentuais de até 98% é comum”, diz Gilberto Sarian, diretor de logística da consultoria paulista Integration. “Mas essas corporações não lidam com 800 000 clientes.” A Natura, a maior concorrente da Avon na venda direta, possui 300 000 revendedoras. Outras empresas de cosméticos, como a LOréal e a Nivea, distribuem os produtos apenas no varejo. Além disso, todas trabalham com diversidade menor. (A Natura, por exemplo, mantém uma média de 500 produtos em catálogo.) “Quanto maior a variedade de linhas e o número de clientes, mais complexo é o desafio de alcançar a excelência no serviço”, diz Dario Gaspar, diretor da consultoria de gestão A.T. Kearney.

# O RELÓGIO E A CALCULADORA Como não cogita reduzir o quadro de revendedoras nem enxugar a linha de produtos, fatores tidos como segredo do sucesso do negócio, a Avon montou uma operação de guerra para brigar pelo pedido perfeito. O movimento começou em 1998, quando a matriz concluiu que os indicadores que possuía eram insuficientes para medir a satisfação das revendedoras com o serviço prestado. Até então, a empresa monitorava apenas a disponibilidade de produtos. “Essa medida continua a ser importante”, diz João Alberto Hansen, diretor de gestão da qualidade e engenharia de produto da Avon. “A diferença é que deixou de ser a única.”

Uma vez definidos os demais fatores que deveriam ser monitorados, como atrasos na entrega, produtos danificados e qualidade de arrumação das caixas, cada subsidiária ficou livre para traçar sua estratégia para chegar ao pedido perfeito. Foi então que os executivos da operação brasileira, na época sob o comando do nicaragüense naturalizado brasileiro Amílcar Meléndez, atual responsável pela América Latina, decidiram criar times encarregados da melhoria de cada variável. Para que a idéia funcionasse, era preciso conseguir o comprometimento dos 4 000 funcionários da empresa.

O passo inicial foi vincular a conquista do índice determinado pela matriz à bonificação anual variável, implantada na Avon para todos os funcionários. Outro foi tentar fazer com que eles sentissem na pele a frustração de uma revendedora ao receber um pedido imperfeito. Para sensibilizá-los, os executivos recorreram a um truque: prometeram ao pessoal que todos ganhariam um relógio da empresa. Os chefes foram instruídos a criar durante alguns dias uma atmosfera de expectativa em torno do presente. Finalmente uma caixa foi depositada sobre a mesa de cada funcionário. Mas dentro dela, no lugar do relógio, havia uma calculadora. “Nada de errado com a calculadora”, diz Hansen. “Mas não era aquilo que eles estavam esperando.”

MOTORISTA GENTIL

# Uma das primeiras medidas tomadas pela Avon para diminuir a incidência de problemas foi modificar o formulário de pedidos utilizado pelas revendedoras. O formulário antigo, usado até 1999, tinha 28 páginas, 14 delas tomadas por códigos dos produtos. A regra era escarafunchar até localizar os artigos desejados e marcar com números e traços as quantidades. “Precisava ser um doutor para preencher aquilo sem errar”, diz Eduardo Fernandes, diretor de treinamento e projeto de vendas da Avon. Na hora do processamento, realizado manualmente com a ajuda de uma caneta óptica, os equívocos também eram freqüentes. A solução: o formulário foi simplificado e reduzido para quatro páginas e a leitura passou a ser realizada automaticamente por um scanner.

Parece simples, mas, para que as revendedoras se acostumassem com a mudança, foi preciso que cada uma das 600 gerentes de setor da Avon gastasse quatro horas explicando a suas equipes a nova forma de anotar os pedidos. “Quem vende a marca há 30 anos es tranhou a mudança”, diz Fernandes. Maria Nair Malvestiti, de 70 anos, revendedora da Avon há 37, reluta em ver vantagens no novo formulário. “Preferia o antigo, o dos risquinhos”, diz ela. Desde 2000, no entanto, o índice de erros no processamento de pedidos foi praticamente zerado.

Os atrasos nas entregas também foram quase eliminados. Os caminhões de entrega passaram a ser rastreados no percurso entre a fábrica, na zona sul paulistana, e os dois centros de distribuição da Avon — um em Osasco, na Grande São Paulo, e outro em Fortaleza. O treinamento dos funcionários das 32 transportadoras responsáveis pela entrega às revendedoras foi intensificado com a participação direta da Avon. Uma vez por ano, motoristas e ajudantes de entrega discutem durante um dia práticas essenciais para a entrega perfeita: desde a maneira correta de manusear as caixas para não danificá-las até o tratamento gentil à revendedora. “Se batemos na casa da cliente e não encontramos ninguém com quem deixar a caixa, o jeito é procurar um vizinho de confiança que possa receber a encomenda”, diz Manoel Gomes Coelho, motorista da transportadora Nevalma. “A idéia é evitar que a caixa não seja entregue no dia certo e a revendedora precise ir até a transportadora buscá-la.”

Desde o ano passado, a cada três meses, um treinamento mais breve é realizado pelas próprias transportadoras com material preparado pelo departamento de recursos humanos da Avon. “O treinamento anual provocava uma reação excelente durante certo tempo, mas depois sentíamos o pessoal esmorecer”, diz João Geraldo Lima, gerente de distribuição, logística e transportes da Avon. “Com essa injeção de ânimo freqüente, isso não acontece mais.”

Para incentivar as boas práticas, a Avon distribui, em parceria com as transportadoras, geladeiras, TVs e outros eletrodomésticos aos funcionários de melhor desempenho. Além disso, mantém cinco consultores nos fornecedores para ajudá-los a resolver contratempos. Antes chamados de inspetores, eles costumavam visitar as transportadoras apenas para apagar incêndios. “Hoje tentam evitar que eles aconteçam”, afirma Lima.

DIA DE EMPACOTADOR

# Há ainda outros problemas que prejudicam a meta do pedido perfeito. No centro de distribuição em Osasco, onde a Avon mantém uma linha manual de separação de produtos, a média de erros cometidos pelos funcionários foi de 3,6 por mês em dezembro de 2002. Em agosto de 2000 era de 6,2. A redução foi conquistada à custa de várias mudanças. Uma delas foi realizada no segundo semestre do ano passado, após a gravação do trabalho realizado por um separador da linha durante 15 minutos. O vídeo foi apresentado aos outros 800 separadores e eles mesmos identificaram os principais defeitos na rotina de trabalho.

Um deles era bater o olho no código do produto a ser separado e ignorar sua descrição. “Trocar um código é fácil”, diz Carlos Eduardo Coimbra, gerente de expedição da Avon. “Trocar um touca de banho por um vidro de perfume é mais difícil.” Aparentemente, não há mistério em seguir a recomendação. Uma breve visita a uma das 13 linhas de separação do centro de distribuição pode mudar essa idéia. Cada separador trabalha numa estação com 60 itens de produtos estocados numa prateleira à sua frente. Embaixo da prateleira circula uma esteira com as caixas que ele deve preencher. O funcionário tem poucos minutos para apertar um botão, deter a caixa que passa na esteira, pegar dentro dela a lista de produtos e conferir se pede ou não algum item da sua estação. A forma como esses produtos são colocados nas caixas é crítica. O custo de uma embalagem danificada pode variar de 2 a 40 reais.

Para entender a importância e as dificuldades desse trabalho, em junho do ano passado, os executivos da Avon viveram um dia de separadores. “A idéia era que todos percebessem o quanto é difícil acondicionar de maneira adequada batons, sapatos e espremedores de batata”, diz Coimbra. Conclusão do encontro: para evitar incidentes, os separadores deveriam usar mais bolhas plásticas de ar para ocupar os espaços vazios nas caixas. Já as revendedoras que fazem grandes pedidos passaram a receber os cosméticos, que são mais frágeis, em caixas separadas. “A freqüência de quebras e de embalagens amassadas diminuiu muito”, diz a revendedora paulista Márcia Carvalheira, responsável por uma venda mensal de 4 000 produtos.

Márcia, revendedora da Avon há três anos, também notou outra mudança. “Minhas dores de cabeça com a falta de produtos diminuíram”, diz. A disponibilidade de mercadoria, um dos fatores de maior impacto no pedido perfeito, foi especialmente atacada. “Abandonamos a idéia de que deixar de entregar um produto é permitido”, diz Hansen. Aumentar os estoques? Seria a solução mais fácil, mas traria custos intoleráveis. Foi preciso que a fábrica respondesse mais rapidamente às abruptas oscilações de demanda inerentes ao negócio de venda direta (a cada 19 dias, a Avon coloca em promoção metade de seu catálogo). Parte dessa agilidade deve ser atribuída ao kaizen, método de gestão japonês que prega a melhoria contínua dos processos. Desde janeiro do ano passado, quando o kaizen começou a ser disseminado na empresa, cerca de 200 funcionários, além de alguns fornecedores, sugeriram melhoria em processos de produção. O tempo de preparação de algumas máquinas, por exemplo, caiu em até 60%.

O pedido perfeito também passou a exigir respostas mais rápidas dos 340 fornecedores da Avon. Em 2001, na campanha de lançamento de um novo creme da linha Renew, a Wheaton, fabricante de embalagens, precisou importar às pressas mais volumes de um corante usado para pintar o pote fosco do creme. “Nos dois dias em que aguardamos a chegada do corante, pintamos o pote com uma cor similar e fizemos várias entregas para que a produção da Avon não parasse”, diz Renato Massara Júnior, presidente da Wheaton. Outros fornecedores envolvidos na fabricação do creme também tiveram de se desdobrar. Após 40 dias, quando a campanha de lançamento foi encerrada, a Avon, que estimara uma venda de 400 000 unidades do produto, havia vendido 1,2 milhão. “Não houve revendedora que tenha ficado sem um pote”, afirma Eneida.

A conquista do índice de 76,6% já rendeu vários benefícios à empresa. Um deles é o crescimento do número de revendedoras. “A ampliação em parte é fruto da melhora da qualidade do serviço”, diz Eneida. Outro é a redução de custos. Os gastos com fretes aéreos — acionados quando há risco sério de atraso na entrega — foram cortados em 52,4% no ano passado. “O objetivo do pedido perfeito é aumentar a satisfação da cliente, mas não há como negar que isso nos ajuda a melhorar a lucratividade”, afirma Eneida.

CAUSA E EFEITO

A melhoria do índice de pedidos perfeitos… (em %)

Ano 2000 – 55,5%

Ano 2001 – 66,4

Ano 2002 – 76,6

…é uma das razões do aumento da força de vendas da Avon (em número de revendedoras)

Ano 2000 – 640 000

Ano 2001 – 700 000

Ano 2002 – 800 000

Fonte: empresa

NOS MINIMOS DETALHES

Na busca da qualidade total no serviço, a Avon identificou muitos pontos críticos nos seus processos de suprimentos, produção e distribuição. Veja alguns dos problemas encontrados e as soluções já implantadas:

1. PEDIDOS INCORRETOS As revendedoras cometiam erros ao preencher o formulário de compra, que era extenso e confuso. O processamento desses pedidos na Avon, feito manualmente com uma caneta óptica, também gerava falhas.O formulário foi simplificado e reduzido de 28 para 4 páginas. A leitura dos pedidos passou a ser feita automaticamente por scanner

2. FALTA DE PRODUTO Uma das causas do problema era a demora na preparação das máquinas das linhas de produção. Com o uso do kaizen, método de gestão japonês para melhoria contínua dos processos, a Avon reduziu em até 60% o tempo de preparação de alguns equipamentos. Assim, eles ficaram mais tempo disponíveis para a fabricação dos cosméticos

3. VAZAMENTOS Por falta de ajustes corretos nas máquinas de fechamento das tampas, muitas bisnagas, vidros e potes saíam das fábricas mal vedados. Para minimizar os vazamentos, a Avon aumentou a freqüência das vistorias nas linhas de produção

4. ERROS NA SEPARAÇÃO E ARRUMAÇÃO DOS PRODUTOS NA CAIXA No centro de distribuição, os funcionários podem falhar ao selecionar os produtos que devem compor o pedido. Eles também podem acomodá-los de maneira inadequada nas caixas e, com isso, danificá-los. Para reduzir o índice de erros, como troca de produtos e estragos nas embalagens, os funcionários foram treinados de acordo com um novo processo de separação de produtos

5. ATRASO NA ENTREGA A Avon passou a exigir das empresas que fazem o transporte de produtos para os centros de distribuição que os caminhões fossem 100% rastreados. Além disso, os funcionários das transportadoras responsáveis pela entrega às revendedoras são treinados periodicamente e participam de programas de incentivo

Fonte:

Revista Exame / Edições / 0785

Ana Luiza Herzog, da EXAME

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